Está procurando presente pro dia dos namorados?"
"Sim. Estou.""Qual o nome dele?"
"Z-Zingo."
"Você não tem namorado, né?"
"Não, não tenho."
"Você quer ver roupas pra você?"
"Sim, por favor."
***
Então eu fui até a seção feminina e comecei a passear as mãos pelos cabides, sob o olhar atento e intimidador da vendedora. Para evitar contato visual, simulei um interesse acima da média em uma das blusinhas expostas.
"Dessa aí eu também vou ter amarela, branca e nude", disparou. "Mas se eu fosse você experimentava a preta. Preto emagrece."
Não pude deixar de perceber a ironia daquele comentário, já que a vendedora em questão era indiscutivelmente gorda.
"Vou te dar uma dica", ela anunciou. "Tons claros engordam."
"Vou te dar outra. O que engorda é comida", rebati, vendo o semblante simpático dela se desfazer num passe de mágica. "Me traz uma branca, por favor."
"Vou pegar. Tenho certeza de que o Zingo vai achar linda."
"Não fale Zingo nesse tom."
"Que tom?"
"É porque ele é nigeriano, né?"
"Quê?"
"Racista! Ainda vem me dizer que preto emagrece!"
"Do que você está falando? Não existe nenhum Zingo."
"Claro que existe! Em algum lugar, neste exato momento, tem um nigeriano chamado Zingo que adoraria ser meu namorado."
"Tenho certeza disso", afirmou, enquanto ajeitava a sobrancelha só para mostrar a aliança na mão direita.
"Ah, olha só, você tá noiva", constatei em voz alta, enquanto ela sorria, deleitando-se. "Vai casar de vestido preto?", concluí, mas agora só quem sorria era eu.
"Pelo menos o meu noivo não é imaginário."
"Deve ser um sujeito interessantíssimo. Aliás, vocês dois devem formar um casal dos sonhos. Uma pena eu não poder ir ao casamento."
A vendedora engoliu no seco.
"Você ainda vai querer a blusa?"
"Não. Mas eu vou ali na loja ao lado e comprar cinquenta iguaizinhas. Depois vou passar aqui com as sacolas, igual a 'Uma Linda Mulher'. Sabe aquele filme? Em que a Julia Roberts é linda, e magra?"
"E prostituta?"
Minha vez de engolir no seco.
"Eu não tenho resposta pra te dar agora, mas quando tiver", e eu disse isso com uma expressão ameaçadora, "eu te mando um e-mail".
Silêncio.
A vendedora não parecia ter se abalado, então eu decidi ir embora, antes que aquilo ficasse constrangedor. Ok. Maisconstrangedor.
Ela mal havia saido do lugar quando eu voltei, tentando parecercool.
"Me ocorreu agora que eu não tenho seu e-mail. Será que você poderia me passar?", pedi, enquanto tirava uma caneta e um pedaço de papel de dentro da bolsa.
"Anota aí: gordaescrota@gmail.com..."
Então eu parei de escrever e olhei para ela.
"Esse não é seu e-mail, né?"
"Não."
Pequeno silêncio.
"Você vai me dar seu e-mail?"
"Não."
"Hum...", soltei, enquanto pensava em alguma respostinha boa para finalizar a cena. Mas na falta de uma sacada espetacular, fiz o que me pareceu mais prudente no momento: baguncei todas as roupas dobradas sobre o balcão e saí correndo.
retirado do Adorável Psicose