sábado, 29 de janeiro de 2011

Devaneios de calçada

Não adianta ficar mais atento. O olhar procura algo na multidão, que nem mesmo eu sei o que é. Quantas pessoas na minha frente, quantos olhares que vagam em direções opostas a minha, quantas manchas de pensamentos pairando sobre o ar. Multidão que vaga sem rumo certo, apesar de dizer com absoluta certeza pra onde está indo. Pra onde estou indo? Me questiono em meio a cotoveladas e pedidos apressados de licença. Caminho sem relógio entre gente sem tempo a perder, sem dinheiro a perder, sem nada a perder. Muitos anseios e muitas obrigações. Que sentimento é esse que me faz querer gritar na calçada, atraindo olhares reprovadores dos engravatados e das maquiladas de plantão? Sobem e descem num frenesi charmosamente absurdo. Pastas nas mãos. Enquanto uns pastam capim em outros pastos. Esse mundo tá indo rápido demais. Essa coisa de ter que ser alguma coisa já não me passa na garganta. Eu vou ser o que eu quiser e desde já eu digo, não devo satisfação disso a ninguém. Eu quero escolher, e escolho sentar na calçada e ficar olhando a multidão passar, contando quantos passos faltam para chegar ao trabalho, ou quantos minutos terão pra ficar em casa. Pare o mundo, tem gente que quer e precisa descer.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Peruanita

Era tão pequena que eu sentia seus ossinhos quando a apertava contra o meu peito, e quase se estalarem num abraço mais forte. Era magra a ponto de ser possível ver suas veias azuis serpentearem pelo seu corpo. E a cada pulsação do infindo coração, via-se um leve movimento sob a blusa de pano mole, que refrescava e deixava a mostra seu colo convidativo. Os olhos pujantes tomavam conta do ambiente, por maior que fosse a sala. Sua voz rouca e baixa anuviava meus pensamentos. Adorava ouvi-la. Mesmo que nestes momentos eu estivesse mais desejando sua boca do que concentrado em seu monólogo. Sempre fui um bom ouvinte. E um bom pecador. O aroma que inebriava o cômodo devinha dos cheiros naturais daquele pequenino corpinho na minha frente, e dos perfumes do banho, do pescoço, e dos cabelos. Era uma mistura doce que, sem passaporte ou licença alguma, adentrava meu nariz. Tinha, como um carma ou um peso que carregava, um sorriso cínico no meio do rosto, que gritava em contraste com as olheiras lúgubres. Era misteriosa, e quando perdia seu olhar num canto qualquer, eu já imaginava “trocentas” hipóteses sobre o que pensava. Na melhor das suposições era mais uma fuga da minha vida e dos meus dias.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

“Liliputiano” ou “Semente de Melancia”

Me leve junto no bolso do seu casaco?
Na bolsinha de moedas?
Ou em qualquer lugar que eu possa caber!

Pode ser no seu coração, lá dentro
Quentinho, quietinho
E de lá, sinto sua pulsação.

Me leve junto pro teu quarto, pro teu sono
Me coloque embaixo do travesseiro
Quem sabe tu sonhas comigo,
Talvez até acorde sorrindo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Do avesso.

Bateu na minha cabeça só pra ouvir o toc

Mexeu nas minhas terminações nervosas e acabou levando choque

Encostou o ouvido na minha boca pra ouvir um segredo

E deu até risada quando contei a ela o meu medo

Olhou bem fundo no meu olho só pra ver se a refletia

Enlaçou-se em meu pescoço já demonstrando simpatia

Auscultou meu coração que já batia descompassado

E perfumada em malícia acenou, me convidando pro lado errado.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Meça a massa pesa e faça

Sentimentos deveriam existir em medidas exatas
Milimétricas somas e subtrações
Deveriam ser porcentagens, decalitros ou alqueires.

Assim, poderiam se apresentados em relatórios
Em resumos mensais, gráficos e projeções
Teríamos o SIB – Sentimento Interno Bruto
E o ICSM – Imposto sobre Sentimentos Medidos.

Jardas, polegadas ou milhas
Arrobas, um palmo ou uma pitada
Seria mais justo nesse escambo, nessa permuta.

Seria mais justa essa troca, em que uns acham que dão mais
E recebem menos
E por mais que se meça
Sempre tem alguém insatisfeito.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O ontem hoje

Ontem é o dia que ainda não terminou,
talvez tivesse tempo entre ontem e hoje,
talvez tivesse sono...

Sou o mesmo, ainda que dormido e torrado
em derretimento pelo calor da madrugada ou do cobertor...
Talvez, mas somente talvez,
pois a noite esfriava a minha vigilia
até atrofiar os nervos de meus olhos cansados,
acostumados a me suportar enquanto tardo-me corpóreo...

Ontem foi o dia que continua hoje,
os agoras trespassados se esfarrapam
e os seus fios tecem dia após dia uma sequência semanal.
Os dias seguem...passando por segundos, minutos,
horas incertas de antecipação para o fim...

E os dias ainda seguem, por não terem relógios que os marquem,
por ser cada hora o reflexo molecular de sua totalidade infinita.
Um todo sem fim que começa no outo,
uma contradição que liga o sol ao início de cada dia.

Nada

Depois disso tudo, ela vai e mija.
Não sei por que filosofia ou hábitos corpóreos de necessidades,
não sei, nem isso e nem nada. Nem nada e nem algo,
nem mesmo o mesmo. Mesmo!

Quis encontrar o Ser, desci aos calabouços escuros de minh'alma,
libertei os valores, os pudores e as contradições e, até vi o ser,
de longe, mas logo se escondeu na caverna,
tão logo percebi sua sombra: seu próprio ser.

Ser? Cadê?
Não aos meus olhos, nem por nada, mas eu não sei:
se algo é, é porque é algo e nada mais.
Se nada é mais, também não sei,
não sei isso como o que sei de tudo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Tudo que tenho direito ( e até o que não tenho)

Quero tudo que tenho direito
Sem dedução do imposto de renda
Sem taxa extra de uso, sem taxa de embarque
Quero minha cota mensal de novas amizades
Quero juros das conversas com pessoas bacanas
Quero a correção monetária dos amores (im) perfeitos
Quero empréstimos compulsórios de companheirismo
Quero os prejuízos e débitos das paixões dilacerantes
Quero correção da bolsa de “valores pessoais”
Quero minha parte em tudo que já ri e chorei com todo mundo
Quero números, frações, porcentagens e afins
Quero todos meus pedaços que deixei nas outras pessoas
Somos todos um pouco em cada um.

Quero.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Quem fala sobre amor em forma de poesia, mente. Amor é peito, bunda, buceta, pau. Amor é conta pra pagar, mercado pra fazer, bafo matinal.

Via Twitter por @JoiceViana

Isso foi uma das coisas mais reais que eu já li, é uma daquelas frases que você sente inveja por não ter escrito.

Eurico

Essa é a história de um homem que primeiramente deve ser apresentado pela profissão. Matador. Seu nome de batismo era Eurico, mas devido a um trágico acidente de moto ainda na adolescência e pelo destino que se prosseguiu ganhou a alcunha de Eurico Sem Braço.O terno preto que usava geralmente estava com uma manga solta, o que lhe dava um ar de mafioso italiano. Na verdade era do outro lado que se escondia o perigo.
- Me dê uma foto e executo o serviço, sem envolvimento entre ambas as partes.
Exigia isso, e metade do pagamento adiantado. A outra metade pegava após a conclusão do trabalho. Cobrava muito, pois era o melhor no que fazia.
Pior que seu problema físico, eram seus problemas psicológicos. Se fosse analisado algum dia, isso se fosse possível chegar a um resultado antes de Eurico assassinar o psicólogo, provavelmente ele diria que seu problema, ou seus problemas, derivavam de sua criação, ou de alguma fase de Freud mal desenvolvida.
Certos comportamentos não faziam sentido. Ele ainda podia sentir o braço que há dezesseis anos havia sido amputado. Tinha saudades da Sete Galo, mas ela fora traiçoeira com ele. Tinha um cigarro e uma arma preferida. A Magnum 44 municiada sempre o acompanhava, no bolso oposto ao Hollywood vermelho, sem filtro. Até hoje nunca ninguém soube como ele a recarregava, ou como acendia o cigarro. O engraçado é que até hoje, ninguém se atreveu a perguntar.
- Um uísque duplo, por favor.
Foi a única coisa que pediu quando sentou-se no balcão, ao lado da sua próxima e última vítima. O balcão era mal iluminado, acariciado apenas pela luminosidade de uma lâmpada de 40 watts, proveniente da mesa de sinuca. Mesmo com a penumbra, Eurico teve a leve impressão de já conhecer o senhor, que logo seria senhor cadáver.
A Jukebox tocava um Jhonny Cash meio rouco. Primeiro gole, primeira lembrança.
O sujeito que estava ao seu lado fora o primeiro a chegar ao local de seu acidente, anos atrás. Lembrou-se de ser carregado para dentro de um Opala SS 77 verde, que voava sob a chuva fina na Rodovia 73, em direção ao hospital municipal.
Foi carregado numa maca e quando acordou estava sem o braço. Aquele velho, barbudo, um pouco acima do peso, deveria ter feito algo muito perigoso para ter a sua vida encomendada. Porém, aquele mesmo velho barbudo, um pouco acima do peso salvou sua vida, numa noite fria e chuvosa na 73.
- Qual é seu nome, meu amigo?
- Lopes, me chamo Lopes – disse o velho, sem tirar os olhos de seu copo vazio.
Eurico pediu ao garçom mais uma bebida para o velho Lopes. Conversaram palavras roucas e baixas. Eurico perguntou de sua família, porque bebia sozinho no bar, e se por acaso lembrava-se do jovem que salvou de um acidente de moto.
Lopes respondeu que sim e que nunca alcançou a mesma velocidade com seu bólido verde, que por sinal estava estacionado lá fora.
Eurico sentiu um nó na garganta, quando Lopes, lhe confidenciou que pensou que aquele jovem não fosse se salvar, e que nunca mais teve notícias do garoto.
Virando o último gole em seu copo, o matador sem braço se despediu, deixou o dinheiro das bebidas sobre o balcão, deu um forte aperto na mão de Lopes, e se foi embora.
Lá fora, Eurico escondeu-se atrás do Opala Verde, sentiu o cano frio da arma, e ficou a espera de sua vítima. Afinal, negócios são negócios, e Eurico é mais ‘ruim’ que a Sete Galo.

O seu dia

Eu queria ser criativo
a ponto de te surpreender todos os dias!

De não deixar a rotina te rondar
como um fantasma pesado

Te fazer rir com minhas piadas cretinas
te deixar recados perdidos pelo seu dia

Espalhados na sua casa
na sua geladeira e no meu sorriso

Coisas inesperadas, saudades e poemas.
Sorrisos e lembranças boas.

Livro Eu

Ainda faltam inúmeras páginas inacabadas do livro chamado “Eu”
Que eu, estou a escrever.
Venho fazendo isso há cerca de duas décadas
E se tenho um capitulo pronto, vos digo que é muito.
Talvez esse livro só tenha mesmo um capitulo
E talvez eu até o intitule de Capítulo 1: “Vida”

Escrevo devagar, um pouco a cada dia
Esgueirando-me entre as palavras
Frases soltas, sílabas pujantes.
Às vezes escrevo várias páginas num dia
Noutras, passo semanas sem pegar na caneta.

Trago pessoas, momentos, cheiros, nomes, abraços, saudades
Tudo isso concretizado no papel

Quem sabe eu o publique um dia
Ou talvez não, guarde só os originais comigo
Enquanto isso, vou escrevendo aos poucos
Disso só tenho uma única certeza
Sou o único autor da obra
E posso dar a ela o rumo que eu quiser.

Procura-se

A inspiração me fugiu
Saiu pela porta da frente
Procurando alguém que a satisfaça
Cansou de viver na minha cabeça sem graça.

Eu também me cansei dela
Só aparecia aqui de vez em vez
E sempre que eu precisava
Ela nunca me satisfez.

Agora eu já nem sei o que faço?
como um convite, deixo a porta de frente aberta?
Ou me viro pelas ruas, procurando sempre alerta?

O pior de ela ter ido sem me explicar esse fim
É que junto com ela, num bolso do casaco
Levou um pedaço de mim.