Essa é a história de um homem que primeiramente deve ser apresentado pela profissão. Matador. Seu nome de batismo era Eurico, mas devido a um trágico acidente de moto ainda na adolescência e pelo destino que se prosseguiu ganhou a alcunha de Eurico Sem Braço.O terno preto que usava geralmente estava com uma manga solta, o que lhe dava um ar de mafioso italiano. Na verdade era do outro lado que se escondia o perigo.
- Me dê uma foto e executo o serviço, sem envolvimento entre ambas as partes.
Exigia isso, e metade do pagamento adiantado. A outra metade pegava após a conclusão do trabalho. Cobrava muito, pois era o melhor no que fazia.
Pior que seu problema físico, eram seus problemas psicológicos. Se fosse analisado algum dia, isso se fosse possível chegar a um resultado antes de Eurico assassinar o psicólogo, provavelmente ele diria que seu problema, ou seus problemas, derivavam de sua criação, ou de alguma fase de Freud mal desenvolvida.
Certos comportamentos não faziam sentido. Ele ainda podia sentir o braço que há dezesseis anos havia sido amputado. Tinha saudades da Sete Galo, mas ela fora traiçoeira com ele. Tinha um cigarro e uma arma preferida. A Magnum 44 municiada sempre o acompanhava, no bolso oposto ao Hollywood vermelho, sem filtro. Até hoje nunca ninguém soube como ele a recarregava, ou como acendia o cigarro. O engraçado é que até hoje, ninguém se atreveu a perguntar.
- Um uísque duplo, por favor.
Foi a única coisa que pediu quando sentou-se no balcão, ao lado da sua próxima e última vítima. O balcão era mal iluminado, acariciado apenas pela luminosidade de uma lâmpada de 40 watts, proveniente da mesa de sinuca. Mesmo com a penumbra, Eurico teve a leve impressão de já conhecer o senhor, que logo seria senhor cadáver.
A Jukebox tocava um Jhonny Cash meio rouco. Primeiro gole, primeira lembrança.
O sujeito que estava ao seu lado fora o primeiro a chegar ao local de seu acidente, anos atrás. Lembrou-se de ser carregado para dentro de um Opala SS 77 verde, que voava sob a chuva fina na Rodovia 73, em direção ao hospital municipal.
Foi carregado numa maca e quando acordou estava sem o braço. Aquele velho, barbudo, um pouco acima do peso, deveria ter feito algo muito perigoso para ter a sua vida encomendada. Porém, aquele mesmo velho barbudo, um pouco acima do peso salvou sua vida, numa noite fria e chuvosa na 73.
- Qual é seu nome, meu amigo?
- Lopes, me chamo Lopes – disse o velho, sem tirar os olhos de seu copo vazio.
Eurico pediu ao garçom mais uma bebida para o velho Lopes. Conversaram palavras roucas e baixas. Eurico perguntou de sua família, porque bebia sozinho no bar, e se por acaso lembrava-se do jovem que salvou de um acidente de moto.
Lopes respondeu que sim e que nunca alcançou a mesma velocidade com seu bólido verde, que por sinal estava estacionado lá fora.
Eurico sentiu um nó na garganta, quando Lopes, lhe confidenciou que pensou que aquele jovem não fosse se salvar, e que nunca mais teve notícias do garoto.
Virando o último gole em seu copo, o matador sem braço se despediu, deixou o dinheiro das bebidas sobre o balcão, deu um forte aperto na mão de Lopes, e se foi embora.
Lá fora, Eurico escondeu-se atrás do Opala Verde, sentiu o cano frio da arma, e ficou a espera de sua vítima. Afinal, negócios são negócios, e Eurico é mais ‘ruim’ que a Sete Galo.
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