domingo, 28 de fevereiro de 2010

Desclassificado.

Sou notícia velha
no seu jornal
sou cruzada feita
horóscopo lido
sou novidade desfeita
na primeira página
sou uma coluna esquecida
de um colunista falido
sou um classificado
sem cor
diminuto
me expondo com uma placa de vende-se
mas nem no aluguel
parece estar interessada.

Mulher, mil facetas sob a face única

Oh mulher, rubra maçã,
Alva flor do suicídio.
Manchada pelo sangue jorrante
Lançada numa torrente laminosa...

Mulher de sangue,
Fonte de uma beleza dionisíaca.
Como pode o teu destino
Fazer-lhe a vida uma desgraça,
Quando a vida originada em ti
Sobrepõe a sua graça natural...
Como podes, oh mulher,
Carregar em teu ínfimo um outro ser...

As marcas em ti ficam,
Marcas do parto e da partida
Do “bom partido” que lhe criou infortúnios...
Como podes mulher,
Como podes deixar marcas tão profundas
Pela sua partida,
Partindo corações,
Arrebentando os ramos espinhosos
Com que prende pulsos.

Oh mulher, canto aos prantos pelo seu destino,
Tu, que guarda em si o sentido de humanidade,
Flor brotada em seu próprio húmus,
Em seu próprio jardim de fertilidade...
Mulher, deusa olímpica,
Que, por vezes, se apraz ser ninfa...
Eva incriada
Que ao espelho reflete Afrodite...

É a ti que fragmento em versos impalpáveis,
Tu mesmo, oh flácida verdade contraditória,
Essência candente que se mostra,
Matéria abstrata
Que dá forma a poesia...

A(ê)nsia.

Abstinência.
Demência é
consequência?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O quê?

O quê me resta dizer
Numa noite tão sentida?
Numa noite voraz
Que jubila o seu pesar
Vestida de morcegos cegos...

Resta-me algo, não nego.
Mas a cegueira da lucidez
Impede-me de ver
As luzes claras e regulares.
Ante ao cristal quebrado
Grito, brado, o meu despedaçar...

E os gritos invisíveis
Misturam-se ao urro da noite calada
Que, alada, voa em meus sonhos acordados,
Impregnados de um cansaço espertino.

Junto ao sereno que cai
Desmaia o noturno
Nos braços da manhã.

Sombras na escuridão

Olho-me no espelho
E vejo meus olhos coagulados
Que de tão dilatados e vermelhos
Chegam a refletir no espelho ortodoxo
O que eu nunca fui.
E o tempo flui sempre...

Mesmo que em vão
Assumirei meu próprio barco
A singrar no sal de meus olhos.

Mas, o que me resta?
Se o tempo engole toda a minha vida,
Se ao passar por ele, em seu passar,
Parece que fico,
Parece que fito
A velocidade de um relógio surreal,
Todo coberto de chocolates metafísicos,
Que de tão possíveis, físicos,
Chega dar-me enjôo da turbulência etílica
Que me arrasta a margem...

A margem de mim,
Assim... serpenteando
As sombras desfiguradas
Ou o que sobrou delas.
A erva doce que arrefece,
A sombra negra que desaquece,
O tempo de frente e para trás.
E agora tanto faz,
Façais como eu.

A sombra não é mais
Que reflexos ilusórios de minha consciência
(gritando cores).
E os reflexos nada mais são
Que vultos vivos,
Tão mortos
Que se escondem na aparência alheia,
No ínterim de cada individuo,
Nas memórias que me puxa o pé,
Na fé que me faz acreditar
Em algo nadificante...
E num instante de devaneio
Vejo-me criança
Brincando de ser adulto.

Peço meu indulto
Como se pedisse por palavras novas
Para pintar minhas velhas cavernas...
Mas não venha com essa de senha,
A lenha que queima
É o sonho sonhando,
Correndo às linhas os selos que não são daqui...
Ai de ti memória pálida,
Sofra aos 1.000 pés
Do meu desprezo.
Amanhã será que haverá segredo?

Sensação... persuade
Nada mais que a realidade
E nós sempre tão irreais
Não somos mais que sombras na escuridão,
Sombras que refletem a ausência de luz,
Que, enquanto luz noturna,
Ilumina todo o avesso do visível.


Alderberti B. P. & Alexandre D. B.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Safena

Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até o auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tinta, tijolo
comecem a obra!
Por favor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.
Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Pitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões
Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate
O homem que hoje me amar
Encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.


autor: ELISA LUCINDA
Retirado do und ergro und 

ps. senti um arrepio ao ler

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Taxidermista

Palavra latejante
vocábulo gritante
qualquer dia eu te empalho
e te coloco em minha estante.

Alma que peca.

Preguiça da alma
preguiça de sair do corpo
e encontrar uma árvore
pra sentar embaixo
ler um livro e meditar

Minha alma
na ânsia de liberdade
quese me escapa nas horas indevidas
quando eu menos espero
piso na lua
quando menos espero
minha alma é sua

Viajo sem passagem
meu corpo é uma bagagem
e o passageiro é minh'alma.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Clariscuro fogo da noite

Daqui de cima
Posso ouvir o batuque dessimétrico
De meus passos sem rimas.
Daqui debaixo
Vejo estrelas que se persignam,
Vejo os signos velados
Na escuridão das constelações apagadas...
Vejo toda a noite que passa,
Mas nada mata a fome de memórias
De minha vida maltratada.

Os uivos da noite
São apenas gritos de estrelas trêmulas...
E as placas caladas,
Plantadas num concreto morto,
Parecem rugir um silêncio noturno.
As faixas amarelas no seguir da estrada
Seguem paradas,
Coladas e amassadas num asfalto de enxofre...
E o frio da madrugada
É apenas esse calor infernal,
Esse vapor etílico
Com ares de sul profundo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Ao grilo que dorme na minha janela

Grilo, chato grilo
que atormenta meu destino
grilo, grilo chato
já te achei em meu sapato
Grilo, ambicioso grilo
queria ser como você
grilo que canta insistente
sem motivo aparente
Grilo que de tão pequeno
me chama a atenção
Grito, teu grito
é um carro na contramão.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Chegamos todos a lugar algum

Vamos todos
Num só desejo...
O de desejar o que quiser,
O que não tem, o que ninguém vê...
Ou, quem sabe? O que nem pode acontecer.
Vamos todos, fazer o que não vamos fazer.
Vamos fazer? Vamos, por mero acaso...
Por que não iríamos?

O que?
Não, não vamos.
Mas, ainda, vamos todos
Com a mesma e múltipla
Solidão.
Vamos, cada qual faz o seu ser e navega...
Vamos, romper unidade
Identidade desfazer.
Vamos todos, quando, na verdade,
Sou eu que vou,
Só eu que vou...

Todos os outros eus,
Os eles e tus em mim contido.
Um pouco meu contigo
Criando-me enquanto eu,
Refletido úmido e global
Nos olhos do olhar que me vê.
Vamos, nós, ninguém...
Vamos todos a lugar nenhum,
Partiremos do nada
Rumo ao impossível...

Vamos, cada um traz (consigo)
O que lhe é mais querido.
Todos, os desgraçados, os feridos,
Os que riem sem querer...
Vamos, um carrega dores,
Outro, no peito, amores
E outras murchas cores
Enfeitam meu jardim.
Vamos, carregamos o peso das escolhas não feitas,
Toneladas de conseqüências...

Vamos, mas vamos logo que o caminho é longo,
Dividimos o peso,
As angústias, as aflições...
Compreendendo incomensuráveis sensações,
Esmorecendo sob o peso fixo de existir
Que trago aos ombros vãos...
Vamos (ainda que sem vontade),
Vamos rápido para não chegarmos atrasados
Ao nosso próprio enterro,
Nosso próprio fim...

Vamos, vamos nascer (isso sim),
Feito plantas que ladram sobre o jazigo,
Flores desabotoadas,
Raízes de esquecimento
Cravadas no morto umbigo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Neo

Neologismos
recém
Re(inventados)
Re(invertebrados)

Nosso.

Quero comprar uma
bicicleta pra dois
Te ver brava comigo
por queimar o arroz
A gente pede uma pizza
e viajamos pra Abrolhos
Tu me explica sobre Freud
eu te como com os olhos.

Meu pai e suas portas

E meu pai abria o portão. E meu pai fechava o portão. Ficava sentado na varanda o dia todo. Ele abria o portão. Tomava café e fechava o portão. A varanda era fria, e ele fechava a porta. E apertava o botão que abria o portão. E acendia um cigarro, e falava sozinho e fechava o portão. E ele lia, tomando café, e ele lia acendendo um cigarro. E ele abria a porta pra fumaça sair. E abria também a sua percepção. E ele lia o café, e apertava o botão, e ele falava sozinho na escuridão. E ele tomava o cigarro, e queimava o livro, abrira a porta pra espantar solidão. E ele lia o cigarro, ele tragava o café, ele matava o portão, ele perdeu o botão, ele tornou-se um livro, ele fumou um Platão, ele bebeu a Sofia, tomou uma atitude e perdeu a razão.