quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ígneo.

A primeira coisa que ela me perguntou ao sentar-se na cadeira em minha frente, foi se a nossa história ia começar de uma maneira clichê, com ela puxando assunto assim: “Tem fogo?”.
Atônito, por dois segundos não consegui raciocinar. Tremi de leve o capuccino que tinha acabado de pedir.
Respondi que não, não íamos ter um início clichê, muito menos um meio desse jeito. Não falei do fim, pra não pensar negativo, ora bolas. Éramos diferentes. Na verdade, ela era diferente, e com a simples presença já me deixava um pouco diferenciado também.
Respondi o segundo não sob olhares curiosos. Esse, se referia ao fogo, que eu não dispunha. Havia parado de fumar há alguns anos.
Um amigo meu sempre carregava seu Zippo cromado para ocasiões como esta. Caso alguém, preferível que fosse alguma dama, lhe pedisse o fogo.
Agora pense comigo, se eu tivesse seguido esse conselho, certamente teria me ruborizado diante dela, com meu surrado Bic amarelo, que de maneira desajeitada usaria para atear fogo ao início do assunto.
Com uma olhada repugnante, ela me sussurraria um gelado “Obrigado”, pairando no ar como uma nuvem recheada de desprezo. Me sentiria um lixo.
Perderia isso tudo por causa de um maldito Bic amarelo, um destino diferente flamejando na ponta metalizada que eu iria deixar passar.
O capuccino se duplicou na mesa e em poucos minutos ela me conhecia melhor do que eu mesmo. Eu sei, isso foi clichê. Eu falo bastante, mas ouço também. Naquela meia xícara que tomei, fiquei sabendo de um terço da vida dela. Levantando os olhos, me disse que um outro terço eu descobriria saboreando aos poucos, ao longo dos dias. Segredos compartilhados debaixo da coberta, um aqui, outro acolá, um outro, quando ela me pedisse – “Amor, me alcança a toalha” e ali, meio ensaboada, meio molhada me diria uma nova curiosidade sobre ela, onde ganhou a cicatriz, que era medalhista no xadrez, quem sabe. Escovando os dentes e me contando da viagem ao Chile, do porre aos 15 anos entre tantas outras coisas imagináveis na minha cabeça nada imaginativa.
O restante da vida, ela nem se daria ao luxo de me contar, porque, segundo ela, eu faria parte integralmente (fez questão de enfatizar a palavra) disso tudo.
Ao final da conversa percebemos que não seria necessário isqueiro nenhum, muito menos fósforo, vela ou lança-chamas. Da troca de olhares já ardiam faíscas e as pupilas dilatadas denunciavam nosso real interesse.
Não conto o resto da história agora, deixo pra depois. Um tiquinho de crueldade com a curiosidade alheia? Sim, pode até ser, quem sabe...
Mas fiquem sabendo que hoje, quando sou parado nas ruas e questionado se tenho fogo, digo:
- Tenho! Mas não empresto, ela é só minha.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

São os olhos, de novo.

Olhando seus olhos pidões me despeço
Peço.

Mais um tempo pra encarar-lhes
e eles me convencem a ficar um pouco mais.

Porém, devo fazer o contrário, quero-me distante.
Marejados se despedem de mim.

Olhos pidões marejados.

Não resisto, amanhã te ligo.

Continua...

Não pude mais olhar esses olhos pidões
que pediram para não serem olhados
do lado, o avesso, o aceno, o tchau
o embarque no ônibus, o final.

Passagem comprada, um coração naquela mala
saltita com os solavancos da estrada
suspira com a ausência de uma volta não datada.

Vai, mas deixou tudo suspenso
como uma pergunta sem resposta
como um problema que ninguém gosta.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Já não tenho títulos pra eles

E é minha ironia disfarçada em sorriso
minha malicia disfarçada em afeto
meu ódio disfarado em abraço
meu amor, preso num vidro
criado, tratado
como se fosse
um bicho.