segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Bem digo.

Era esquálido, meio amarelado. A boca seca nas três da tarde. O boné jazendo no calor da calçada. Dois reais e setenta centavos. Enquanto roia a unha do anular, cogitava deveras possibilidades do que fazer com a mísera quantia. O meio fio quebrado chamou sua atenção. O tilintar de mais dez centavos nem foi escutado. A barba o incomodava há duas semanas. Da sacola pálida retirou uma garrafa de água pela metade. O sol cobria-lhe metade do corpo. Numa posição quase incompreensível ele permaneceu estático por duas horas. Um pão de queijo e imediato ao pensamento salivou. Não comia há dezesseis horas. Coça a barba e encara o engravatado. Era chamado por alguns de problema social, e não se lembrava do seu nome de batismo. Já não importava. Seus pensamentos se confundiam entre realidade e alucinações, causadas pela insolação e momentos de vagas lembranças induzidos pelo álcool. Na palidez da sacola lia-se “Volte Sempre!” Até que não seria má idéia, pensou. Alguém lhe jogou um jornal. Foi direto a página sobre previsão do tempo. Frente fria. O jornal viraria então cobertor. Uma senhora macilenta desfila com seu bassê. Teve a certeza de que o cão vivia melhor do que ele. Era notívago, mas não pela rebeldia de seu horário biológico e sim pelos perigos oferecidos pela madrugada. Vez ou outra acordava sem os pertences, o que pra ele não era muita coisa. Ou acordava sobre saraivadas de bofetões de algum sanhoso policial. Um pingado e um pastel de vento. Seu estômago quase criou vida. Algo se retorcia e gritava lá dentro. Com um leve aceno de cabeça agradeceu a moeda. Não citava mais Deus. Os que passavam apressados mal tinham tempo de jogar a moeda, muito menos para ouvir um agradecimento fervoroso e fiel. Um vento lhe trouxe o perfume de um alguém. Quanta gente mesquinha. Começou a se questionar com o que aquelas pessoas se importavam. Um banho no posto de gasolina se o dinheiro desse. Será que se importavam com o que fazer num domingo? Uma das possibilidades que ele tinha e desfrutava era a de poder se sentar e pensar o dia todo, em qualquer coisa. Sem que fosse interrompido, passava horas absorto em idéias e escutando o tilintar das moedas, isso quando o dia e o ponto eram bons. Julgava ter quase quarenta anos, quando na verdade tinha trinta e cinco. Será que se ocupam vendo novela? Será que param no meio do dia e ligam para a esposa? Um casal passa e ri. Um pequeno cão marrom senta ao seu lado, como se esperasse a puxada de uma conversa. Olha-o de cima abaixo e cheira sua mão. Uma sirene ao longe e uma nuvem espessa tapa o sol. No que eles pensavam enquanto caminhavam? No que vestir para aquela festa? Quanto custava aquele novo celular? Uma loira fala ao telefone enquanto seu sapato tique taqueia a calçada na sua frente. Quando ergueu a cabeça e olhou dentro do boné havia uma bala que prontamente foi descascada e jogada na boca. O cão se lambe e o encara. No que pensam os pedestres que se cruzam e nem se olham? Certamente não era no pingado e no pastel que ele pensava. Haveria de ser na calça na vitrine, no novo Volkswagem ou na décima edição do reality. No preço da dúzia de ovos, no remédio contra a impotência ou no porque da calvície. Na bunda da moça que vai a sua frente, no esporro do patrão e no flerte com a secretária. Na prova de matemática e na feira livre de quarta. Pensavam se iam ligar amanhã, se a gravata está torta e quantas parcelas faltam da televisão. Aonde irão no carnaval, quem reforça o ataque do Flamengo. Onde foi parar a tampa da Tupperware e quanto custa por hora.
Cansou de tudo. Do boné retirou o suficiente para o pingado e o pastel. O restante das moedas distribuiu entre quem passava. Assustadas as pessoas pegavam as moedas sem saber como reagir. Alguns aceitavam e riam outros indignados com a situação proferiam palavrões. Eles precisam muito mais do que eu – pensava. Seguiu pela calçada e sumiu entre a multidão, seguido pelo cão marrom. Ele podia pensar todos os dias, e isso já bastava para viver.




Não revisei, já é quase meia noite, tenho que fazer mais dois textos e acordar as 7! Beijo!

Um comentário:

  1. como sempre, bem escrito!
    um texto e tanto..
    dá até um aperto no coração! :m
    está na lista dos prediletos!
    *;

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